Tema foi um dos quatro painéis do evento Futuros Radicais; palestra principal foi com a ministra digital de Taiwan, Audrey Tang

“Dados geraram inovação nas últimas duas décadas de forma acelerada. A economia nos trouxe estruturas que concentram riqueza e poder. Dados são o novo recurso e precisamos de ferramentas para calcular seu valor e encontrar formas para que eles deem às pessoas mais participação nas decisões””. Com esta fala, a mediadora Bruna Santos, diretora da Inovação da Enap, abriu o quarto e último painel do evento Futuros Radicais: liberdade para transformar, promovido em parceria da Enap com a RadicalxChange Foundation no último dia 8 de julho. 

Com o tema Dados e Coalizões de Dados, a palestrante principal foi  Audrey Tang, ministra digital de Taiwan, que relatou as experiências do país no enfrentamento à Covid-19. Ela definiu a coalizão como o uso de dados de forma participativa. Com o sucesso de Taiwan no enfrentamento à pandemia sem confinamentos, Audrey defende que “o segredo para combater a pandemia é combatendo a infodemia”, ou seja, as teorias da conspiração e falsas informações que se disseminam, especialmente nos ambientes digitais. 

Audrey explica que a efetividade da coalizão de dados depende dos pilares: ser rápida, justa e divertida. “A parte rápida é a inteligência coletiva. Precisamos construir um espaço digital e uma infraestrutura seguros para o público. Em vez de usar os espaços antissociais das mídias sociais, onde é fácil disseminar raiva, discriminação, vingança, precisamos desenhar a interação, de forma que não sirva ao interesse de anunciantes ou acionistas. A infraestrutura cívica no espaço tem que ser coberta pelo setor social”, disse a ministra.

 

 

Máscaras como vacina física Tang contou que, em fevereiro de 2020 hackers e pessoas independentes de Taiwan construíram um mapa que mostrava a disponibilidade de equipamentos de proteção individual em farmácias junto a centros populacionais, em um projeto de crowdsourcing no início. “Como os dados eram informados em tempo real, ficamos sabendo a cada 30 segundos quantas pessoas compraram máscaras em qual local”. 

As informações imediatas foram obtidas pelo uso do cartão de saúde, mantido pelo seguro de saúde nacional para todos os residentes em Taiwan. Audrey esclareceu que a plataforma do mapa usa mais de cem ferramentas, como assistente de voz e chatbot, para saber os estoques informados pelas farmácias. 

Cada pessoa pode então construir seu painel para rastrear a eficiência da distribuição, o que permitiu que a comunidade auditasse se o sistema de distribuição era justo ou não. “Isto encorajou as pessoas a participarem mais e a confiarem mais umas nas outras. Ver as transações em tempo real também permitiu aos governantes distribuírem de forma mais justa os equipamentos de proteção individual”, disse.  

Humor sobre rumor 

Audrey contou que foi criado um  mascote da coalizão de dados em Taiwan, um cachorro shiba inu, que mora com o oficial de participação do ministério da saúde, servidor público de carreira. Quando há uma nova onda de covid, o oficial divulga regras de distanciamento social junto com fotografias do shiba inu em poses que remetem para atitudes esperadas (ou não) das pessoas. Para ela, os governos devem apostar em uma comunicação efetiva, e que considere também o humor. Taiwan, por exemplo, apostou em memes e fotos engraçadas como forma de enfrentar boatos para aumentar o poder de disseminação das informações corretas.  

Ela conta, por exemplo, que , um estudante criticou uma máscara rosa e não queria utilizá-la na escola.  O oficial participativo levou isso ao ministro e, no dia seguinte, todos no gabinete usaram máscaras rosa em uma aparição pública.  O ministro disse ainda que a pantera cor-de-rosa rosa era seu ídolo na infância. “Essa resposta rápida e direta tem mais confiabilidade.  Neste caso, a ciência não é compartilhada de cima para baixo, mas de uma maneira humorada, o que engaja mais as pessoas”, relatou Audrey.

Liberdade de dados

Matt Prewitt, presidente da RadicalxChange Foundation, abordou por que as coalizões de dados funcionam e trouxe alguns princípios. Segundo ele, as coalizões de dados nunca deveriam ser vendidas, apenas ter usos particulares; devem ser supervisionadas por um regulador; governadas democraticamente, ter a maior parte de sua receita repassada para seus membros, assim como ter poder de decisão compartilhado. 

“Deveríamos usar as melhores ferramentas técnicas para controlar como e para qual propósito os dados deveriam ficar à disposição de quem quer comprar e como os governos deveriam usá-los”, disse Prewitt. Ele trouxe como referência, para quem deseja se aprofundar no tema, as ideias compiladas no Documento de trabalho para a liberdade de dados, disponível em https://www.radicalxchange.org/files/DFA.pdf  

Dados para valor público

Astha Kapoor, co-fundadora do Aapti Institute, falou sobre como a coalizão de dados está relacionada à custódia e à coletivização de dados, com instrumentos que deem maior controle aos indivíduos via regulações baseadas no consentimento. Afirmou que “a custódia permite que cidadãos se unam para saber como seus dados estão sendo usados, decidir como serão geridos e como deles extrair valor”. Ashta afirmou que “para resistir às corporações de dados precisamos ser participantes mais ativos nas decisões que façam sentido para nós e para usar dados que nos incluam na economia que resultem em valor público”.

É possível utilizar dados que você não consegue acessar?

Andrew Trask, líder da OpenMined, cientista pesquisador sênior na DeepMind, falou sobre ciência de dados remota. Ele focou sua abordagem em quatro ferramentas que possibilitam usar dados sem necessitar copiá-los. “A execução remota, com o uso de técnicas-padrão de ciência de dados, permite trabalhar com organizações que possuam dados úteis para você”,  esclareceu Trask.  

A segunda ferramenta é a conexão com dados remotos, tema sobre o qual ainda não há experiência visceral. A privacidade diferencial, segundo Trask, exige uma base de dados para  engenharia reversa com o uso de algoritmos que permitem fazer computação geral e estatística. 

Por fim, Trask citou a computação segura de múltiplas partes, que utiliza a encriptação individual de dados e algoritmos que levam à computação geral e estatística.  Pessoas interessadas em aprofundar ciência de dados remota podem utilizar a referência trazida por Trask, no curso gratuito acessível em courses.openmined.org

No encerramento do painel, a moderadora Bruna Santos citou a mensagem que Audrey Tang publicou em suas redes na noite anterior ao anúncio de sua nomeação como ministra, em 2016:

“Onde enxergarmos a ‘Internet das coisas’, façamos uma Internet dos seres. Onde enxergarmos ‘realidade virtual’, façamos com que seja uma realidade compartilhada. Quando enxergarmos ‘aprendizado automático’, façamos com que seja um aprendizado colaborativo. Quando exergarmos ‘experiência do usuário’, façamos com que seja a experiência humana.”

Sobre futuros radicais

No evento Futuros Radicais: liberdade para transformar convidados nacionais e internacionais examinaram os pilares básicos da democracia e dos mercados. Eles compartilharam como estão experimentando as tecnologias sociais de ponta. Foram quatro painéis: Democracia participativa, Propriedade, Financiamento de bens públicos e Dados e coalizões de dados.

Se você perdeu o evento, a gente guardou para você.

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