Margarita Gómez diz que, no final, precisamos ter servidores capazes de se conectar com cidadãos mais do que com o governo

A diretora executiva do PeopleGov Lab da Escola de Governo de Blavatnik da Universidade de Oxford, Margarita Gómez, apontou os principais desafios para o serviço público brasileiro do futuro e os tipos de habilidades que organizações públicas deveriam desenvolver nos seus empregados. 

Em sua palestra “Colocando as pessoas no centro da transformação governamental”, durante a Semana de Inovação 2020, Margarita trouxe dados dos países de OCDE, onde a força de trabalho do governo federal representa 18% da força de trabalho total e salários e compensações representam 9,5% do PIB. “Tais números contextualizam sobre quão importante é o trabalho dos servidores públicos e a quantidade de recursos que os governos gastam em recursos humanos”. Para ela, o fator humano é o mais importante que os governos dispõem.

1) Mirar em um governo que seja ágil, flexível e inovador

Margarita avalia que problemas complexos exigem diferentes atores, necessitam de uma coordenação de diferentes níveis de governo (estados, governo federal e municipal), cada um com suas peculiaridades e processos. “Foi impossível enfrentar a Covid-19 somente por um governo”, exemplifica. Para ela, para responder a estes problemas complexos, é preciso pensar sobre uma organização pública que seja mais ágil e possa se adaptar a esses desafios e às mudanças. Os governos também, devem ter a capacidade de se organizar, serem flexíveis para as respostas e inovadores. “O empregado público está desafiado a reagir de formas diferentes. E as pessoas precisam de treinamento para serem mais ágeis, inovadoras e resilientes”, defende. 

2) Desenvolver habilidades digitais com a adoção de novas tecnologias

“Margarita destacou que vivemos na revolução industrial 4.0. “A digitalização não é só adquirir e adotar novas tecnologias. Esta é a parte mais fácil. Podemos ter infraestrutura, tecnologia mais avançada, mas não é suficiente apenas desenvolver habilidades digitais. É necessário compreendermos os comportamentos e as barreiras psicológicas que os empregados públicos têm quando precisam se adaptar a novas tecnologias”, afirmou.

3) Como atrair – e reter – a nova geração de profissionais

Gomez apontou que as novas gerações de profissionais querem ser livres, buscam a flexibilidade e têm múltiplos interesses. Cabe-nos compreender que esta é a geração que precisamos convidar para participar do governo. “Vemos o setor privado tomando os talentos disponíveis. Ou seja, a forma de desenvolver organizações públicas deve ser um ambiente que atraia essas gerações. O desenvolvimento das relações dentro das organizações precisa levar em conta as características das novas gerações que o governo quer atrair”. 

Ela também recomenda refletir sobre as relações de poder. “Eu vejo organizações altamente hierárquicas, onde os níveis diferentes de hierarquia são muito proeminentes. Se você quer trazer uma nova geração e mantê-la, comece a pensar em uma forma mais horizontal de organização e sobre criar uma cultura diferente”. Para ela, é necessário que as organizações sejam mais flexíveis, dêem autonomia aos servidores e um trabalho que pense diferente as questões de liderança.

4) Motivar e engajar servidores 

Desenvolvimento de habilidades técnicas integram o quarto desafio, junto com habilidades comportamentais. Servidores empáticos com os cidadãos, colaboração, inovação e abertura para as diferenças são fatores de motivação. Estudos demonstram que existe tédio e falta de engajamento em muitas instituições. “Muitas vezes estamos lidando com salários baixos também”, disse Gómez .

5) Superar a crise de confiança do cidadão em governos

Um desafio dos mais importantes que os governos enfrentam é a falta de confiança do cidadão. Gómez diz que precisamos considerar isso quando estamos desenvolvendo novas habilidades para os servidores. “Precisamos ter servidores capazes de se conectarem com cidadãos mais do que com o governo. Estamos vendo que existe uma desconexão entre governos e cidadãos e uma falta de confiança entre as agências e entre níveis de governo”. O exemplo trazido por Gomez foi a Covid-19, quando se percebeu falta de coordenação entre os níveis de governo. “Isto se constituiu em um enorme problema na resposta à Covid-19” evidenciou.   

A estratégia para selecionar líderes por competências

A Enap divulgou, durante a Semana de Inovação 2020, as matrizes de competências essenciais de liderança para o setor público brasileiro e as competências transversais de um setor público de alto desempenho, que irão nortear não apenas a estratégia de capacitação de servidores, como poderão orientar processos seletivos, certificação de servidores e avaliações de desempenho. 

A Enap já apoia órgãos na seleção de talentos para cargos estratégicos de assessoramento superior no governo federal (DAS 4 e superiores). 

Segundo Bruna Éboli, coordenadora-geral de Seleção e Certificação de Competências da Enap, esses processos conduzidos pela Enap foram orientados por uma seleção com base em competências. Bruna aponta que o atual processo de entrada de lideranças no setor público tem falhas. “Os principais modelos da gestão pública têm uma clara orientação para seleção baseada em competências. Quando a gente traz para a perspectiva do serviço público no Brasil, vemos que existem muitos órgãos inovando na seleção de cargos para liderança para funções gratificadas”, explica. No entanto, os modelos estão muito baseados em hard skills, na avaliação de conhecimentos técnicos. “Competências comportamentais são mais complexas de desenvolver, porque dependem de vivências e experiências no tema”, avalia. 

E aponta a falta uma clareza e direcionamento quanto às competências requeridas para determinadas funções. Neste ponto, a definição das matrizes de competências e sua normatização permitirão mais clareza aos órgãos para a seleção de pessoas. “Precisamos das melhores pessoas nos lugares certos, identificar e mobilizar talentos dentro das equipes”. Por fim, Bruna destaca que demais países entram em outras duas frentes: a gestão por desempenho, relacionada ao alinhamento claro de expectativas, e o monitoramento de ferramentas para avaliação de desempenho. “É um desafio para o Brasil ainda”.

Sobre as lideranças, Margarita Gómez disse que precisamos pensar em como desenvolver melhores líderes e como lidar com o jogo de poder que existe dentro do governo. Ela citou que países como o Reino Unido e Singapura transformaram o papel da gestão de pessoas, que se tornou muito importante e central. Eles não estão gerindo pessoas e pagamentos, mas pensando em como desenvolver as habilidades que os servidores públicos precisam e como conectar isso com estratégias de governo, com um sistema de desenvolvimento mais abrangente.